Gripe aviária: panorama nas américas e no Brasil.
Matheus Pinheiro
5/28/2025
Você já ouviu falar sobre gripe aviária? À primeira vista, pode parecer distante dos humanos, mas esse tipo de vírus apresenta relevante potencial de propagação, estando presente em diferentes países, incluindo o Brasil. Existe um impacto em diferentes espécies, indo desde aves silvestres até mamíferos. O que será que isso significa para nós?
O que é a gripe aviária?
A Influenza Aviária é conhecida mundialmente como Influenza A (IAV), um tipo de gripe enquadrada nas zoonoses, doenças infecciosas que podem ser transmitidas entre animais e humanos, como raiva e gripe suína, por exemplo. Existem diferentes subtipos dentro de vírus transmissores da IAV, sendo importante apontar o H5N1 com grande potencial de ocasionar doença respiratória altamente infecciosa nos animais, linhagem essa que surgiu em 1996 e vêm contaminando as aves desde então⁸.
Exemplos de mamíferos acometidos pela gripe aviária.
Porém, seu contágio vai além desse grupo, tendo casos registrados em mamíferos, como raposas, focas e gatos, incluindo os humanos⁴. Apesar de relativamente rara, a infecção de humanos pode acontecer mediante contato direto com aves infectadas ou inalação de partículas de seus excrementos². Além disso, é importante ressaltar que o contágio está fortemente associado à exposição ocupacional, ou seja, entre pessoas que mantêm contato direto com animais, como criadores de aves e trabalhadores rurais, permanecendo baixo o risco de contaminação na população geral¹².
Qual o cenário atual da doença?
A gripe aviária foi identificada pela primeira vez no início do século XX, na Itália. Em 1996, na província de Guangdong, na China, ocorreu o primeiro surto da doença. Já em 1997, Hong Kong registrou os primeiros casos de infecção humana pelo vírus H5N1, com 18 pessoas contaminadas e 6 mortes, o que levou ao abate de milhões de aves como medida de controle³. Após um período de contenção, o vírus ressurgiu em 2003 e rapidamente se espalhou pela Ásia, avançando para a Europa e África, sendo detectada em aves silvestres e domésticas. A partir de 2022, a gripe aviária começou a se disseminar pelas Américas, acompanhando rotas migratórias de aves aquáticas e provocando surtos em diversos países do continente.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde¹³, desde 2020, o vírus tem sido responsável por surtos em aves migratórias e domésticas, com registros em 19 países das Américas desde 2022. O patógeno circulante no continente americano se espalhou pelas rotas migratórias de aves aquáticas por volta de 2021, chegando inicialmente nos Estados Unidos. Entre 2022 e 2024, foram notificados 4.388 surtos na região, sendo 1.451 apenas no último ano. Além das aves, há crescente preocupação com infecções em mamíferos, incluindo evidências de transmissão entre esses animais, como observado em surtos em gado leiteiro nos Estados Unidos e em mamíferos marinhos, como leões-marinhos, golfinhos e focas. No Brasil, até o momento, foram confirmados 166 surtos, sendo reportados 15 somente em 2024, nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Casos de surtos em aves nos países das américas.
Em relação à infecção em humanos, existem 954 casos confirmados desde o ano de 2003, com uma taxa de letalidade de 48,6%. Na Região das Américas, 71 infecções humanas foram confirmadas entre 2022 e janeiro de 2025, das quais 68 ocorreram nos EUA, além de registros no Chile e no Equador. Grande parte dos casos foram possibilitados graças ao contato direto com animais infectados, e não existem registros de contaminação de humano para humano. Ainda assim, é importante um monitoramento constante, dada a natureza do vírus de rápida mutabilidade e disseminação.
Impacto na fauna silvestre
Como bem conhecido a respeito dos vírus, os transmissores da gripe passam por recorrentes mutações, o que pode levar ao aumento de sua capacidade infecciosa nas aves silvestres, já que resultam em possíveis novas variantes com potencial para originar novos surtos¹¹. Um exemplo disso é o vírus atualmente em circulação (H5N1), resultado de mutações e combinações entre variações encontradas na Europa com outras cepas.
Quando analisamos rotas migratórias de aves aquáticas, como os Anseriformes (patos e cisnes) e os Charadriiformes (gaivotas, maçaricos e batuíras), percebemos que existe uma alta circulação global do vírus. Esse tipo de movimentação anual de longas distâncias permite que o vírus esteja presente em uma ampla gama de ecossistemas e hospedeiros. As aves migratórias funcionam como reservatórios naturais e vetores de disseminação da doença⁹, e seu hábito de vida dificulta a contenção do vírus, já que existe a possibilidade do surgimento de novas variantes a partir da disseminação em diferentes populações de aves distribuídas em vários países e continentes.
Exemplos de aves marinhas migratórias (Thalasseus sandvicensis, Calidris alba e Ardenna grisea)
Portanto, o vírus afeta principalmente aves silvestres, das migratórias até as residentes, o que representa uma ameaça à biodiversidade brasileira. A alta mortalidade leva ao desequilíbrio de ecossistemas, afetando, por exemplo, cadeias alimentares e a dispersão de sementes¹⁰. Além disso, a alta mutabilidade e amplitude de circulação aumenta o risco de transmissão para aves domésticas e outros animais.
Como a gripe aviária pode afetar o país?
O Brasil é considerado um dos maiores mercados de criação de aves para fins comerciais. Somente em 2022, por exemplo, houve uma produção de 14 milhões de toneladas de carne de frango, sendo importante apontar a quantia de 4 milhões destinados apenas à exportação6. Isso mostra como um cenário de contaminação poderia exercer influências muito negativas à economia, como a redução da oferta, prejuízos aos produtores, e aumento no preço de produtos de origem aviária, como ovos e a própria carne, afetando diretamente o consumidor final.
Um cenário real de crise nesse mercado pode ser observado em 2024 e 2025, nos Estados Unidos. A elevação no preço dos ovos atingiu valores recordes, provocando até a limitação de compras por cidadãos pelos próprios supermercados⁵.
Até a primeira metade de 2023, o Brasil era visto como não atingido pela doença no que se refere ao cenário comercial. No entanto, como mostramos anteriormente, houve um número considerável de registros de surtos em aves silvestres, o que culminou no primeiro foco de gripe aviária em granja comercial no país, registrado no dia 16 de maio de 2025. Esse fator acende um alerta econômico e sanitário, já que outros países interromperam sua importação de aves provenientes do território brasileiro, como a China que suspendeu o comércio por 60 dias. O impacto pode não ser imediato ou de grandes proporções, mas é preciso monitoramento contínuo e tomada de medidas de contenção da disseminação no âmbito das criações comerciais⁷.
Medidas tomadas
Diante do cenário preocupante, o Brasil já direciona algumas medidas para monitorar e conter o avanço da gripe aviária. O Ministério da Agricultura e Pecuária foi responsável por produzir um plano de contingência, a fim de buscar diminuir as chances de contaminação¹.
E o que um cidadão comum pode fazer? É importante a atenção principalmente dos que manuseiam com frequência aves silvestres e/ou de produção, como pesquisadores, fazendeiros e outros profissionais treinados. O uso de equipamentos de proteção individual e troca de roupa após o contato podem evitar a contaminação. Além disso, não é recomendado consumir nenhum tipo de alimento de origem aviária cru ou mal cozido, bem como preferir leites pasteurizados, evitando não só o vírus H5N1, mas outros patógenos no geral⁷.
Conclusão
A gripe aviária representa um risco relevante às aves silvestres, as mais afetadas pelos surtos desde o início do monitoramento da influenza. Ainda que medidas de controle já estejam sendo realizadas, é muito importante o monitoramento constante, bem como a conscientização da população sobre os impactos da doença e os cuidados necessários para que o cenário não se agrave. Caso detecte sinais clínicos em aves silvestres (tosse, espirros, muco nas vias aéreas, espirros, andar cambaleante e sangue em áreas sem penugem), ou ainda muitas aves mortas em ambientes naturais, informe à Unidade Veterinária Local do Serviço Veterinário Oficial mais próxima ou comunique pelo e-Sisbravet.
Referências
- BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Poder Executivo. Plano de Vigilância de Influenza Aviária e Doença de Newcastle. 2022.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Influenza Aviária. Brasília: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/i/influenza-aviaria. Acesso em: 04 abr. 2025.
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Highly Pathogenic Asian Avian Influenza A(H5N1) Virus. Atlanta, 2018. Disponível em: https://www.cdc.gov/flu/avianflu/h5n1-virus.htm. Acesso em: 8 maio 2025.
- FAPESP. Gripe aviária pode ser transmitida entre mamíferos. Revista Pesquisa FAPESP, 22 fev. 2024. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/gripe-aviaria-pode-ser-transmitida-entre-mamiferos/. Acesso em: 22 abr. 2025.
- FORBES BRASIL. Preços dos ovos nos EUA têm o maior aumento em 10 anos. Forbes Agro, 15 fev. 2025. Disponível em: https://forbes.com.br/forbesagro/2025/02/precos-dos-ovos-nos-eua-tem-o-maior-aumento-em-10-anos/. Acesso em: 22 abr. 2025.
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- G1. Gripe aviária é confirmada em granja comercial de Montenegro, RS. G1, 16 maio 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/05/16/gripe-aviaria-granja-comercial-montenegro-rs.ghtml.
- INSTITUTO BUTANTAN. O que é a gripe aviária e como ela afeta humanos? Tire essa e outras dúvidas sobre a doença. São Paulo: Instituto Butantan, 2023. Disponível em: https://butantan.gov.br/noticias/o-que-e-a-gripe-aviaria-e-como-ela-afeta-humanos-tire-essa-e-outras-duvidas-sobre-a-doenca. Acesso em: 04 abr. 2025.
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